segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O cérebro adolescente



Algumas palestras das TED talk são bem interessantes, achei esta aqui com a Sarah-Jayne Blakemore que está excepcionalmente didática e gostaria de compartilhar (não sei se existe com legendas em português). Ela é um nome muito conhecido na área de estudo do cérebro adolescente. Na palestra, alguns pontos são levantados:



Animação da Wikipedia mostrando o córtex-préfrontal esquerdo.

A maturação física do córtex pré-frontal, a qual parece sofrer um processo de poda neuronal anterior nas meninas em relação aos meninos, muito provavelmente por conta da entrada anterior das meninas na puberdade. O que significa esta poda (da qual provavelmente virei a falar com calma noutro post)? Significa, grosso modo, que conexões estão sendo refinadas, muitas perdidas/podadas e outras intensificadas. O pré-frontal é uma área muito importante na cognição humana e extremamente desenvolvida no cérebro humano. É uma das últimas áreas a maturar nos nossos cérebros, e ao que tudo indica esse processo transcende a adolescência. A área parece ser responsável por muita coisa (eu adoro ler sobre ela), entre elas: tomada de decisão e planejamento. Pois bem, não é uma área totalmente madura no cérebro adolescente e se lembrarmos o que é adolescência... fica fácil de entender, o adolescente não prima pelo planejamento e tomada de decisão sempre mais madura, né? 

Depois ela fala do refinamento de ajuste social pelo qual o cérebro passa e como provavelmente ele ocorre, para o que usa como fonte os estudos de fMRI (ressonância magnética funcional). Ou seja, sai do nível da estrutura e passa para a funcionalidade. Crianças funcionam de maneira diferente de adultos com relação a regras considerando o outro. Ou seja, quando há uma regra clara, é similar ser um adolescente (meio da adolescência) e um adulto, parece que o conceito de regra já está estabelecido. No entanto, quando não há uma regra clara, adultos se saem melhor na tarefa. O especial da tarefa neste caso é: levar em consideração a perspectiva do outro para guiar a sua decisão ou comportamento numa determinada situação.

Por último, ela levanta a questão que bem conhecemos sobre a predileção dos adolescentes por se colocarem em situação de risco. Predileção que provavelmente envolve uma área bastante primitiva dos nossos cérebros, o sistema límbico. Este sistema, que é conhecido por estar envolvido com a regulação da emoção e da recompensa, parece estar hipersensível ao fenômeno de recompensa ligado ao risco na adolescência. Mas, ao mesmo tempo, o pré-frontal que pode funcionar como nosso freio, regulando melhor o sistema límbico, ainda está imaturo. 

Tendo isso, a Sarah lembra ser uma pena que numa fase tão criativa e interessante da vida, frequentemente o que vemos é o abandono escolar. Às vezes por motivos alheios à vontade do estudante. Eu penso não apenas nos motivos alheios, mas, naqueles que envolvem a decisão do estudante. Quantas vezes repetimos que parece haver uma apatia generalizada na adolescência? 

Eu sempre trabalhei com educação de adolescentes (e adoro) e embora seja um assunto muito mais complexo do que a gota que trago para este oceano, uma coisa me vem à mente no momento, a escola não oferece desafio. Parece que este cérebro altamente preparado para o desafio e para a recompensa não tem algo à sua altura. Desafio que entendo dentro de um contexto contemporâneo da sociedade, não nos moldes de 50 anos atrás. Em resumo, por este ponto de vista do adolescente a escola é um saco e, talvez, sempre tenha sido, sei lá.

sábado, 17 de outubro de 2015

Experiências em neuroeducação

Bom... se a definição do que vem a ser neuroeducação ainda não é muito clara, existem algumas experiências.

Vou falar um pouco de uma pessoal, e depois trarei outras.

Quando comecei no doutorado, a ideia era trabalhar com síndrome de Williams e como me interessava pelo aspecto educacional, comecei por aí. Depois, me parece que como a maioria dos doutorados, passei por mais uns 15 projetos e terminei noutra área.

Mas, desde então, segui com outras duas profissionais (uma fono e outra terapeuta ocupacional) ligada à síndrome de Williams. Embora eu possa escrever sobre esta síndrome, coisa que certamente farei, o google também pode ser usado pra matar a curiosidade (e ele é bom nisso) assim como acessando o site da Associação Brasileira da Síndrome de Williams

Em vez de expor um Williams, preferi expor um dos traços que mais gosto neles: são suuuuper afetivos, pra mim, é a síndrome do agarradinho. E os estudos de neuroimagem já apontam vários motivos pra isso. ;)


Pois bem, das demandas que vi os pais de Williams trazerem (há várias, principalmente com as carências brasileiras), uma das mais citadas era o fracasso escolar, ligado à falta de inclusão verdadeira, ao desconhecimento dos professores, etc.

Depois de conversarmos com a presidente da associação, bolamos um curso que envolvesse diferentes áreas de conhecimento das neurociências. E que além disso, se traduzisse de alguma maneira numa intervenção junto ao professor. A experiência continua em andamento e temos certeza de que pode ser lapidada de inúmeras formas. Mas, até aqui foi muito boa, tanto para nós que ministramos os cursos e aprendemos muito, como para os professores que passaram por eles, o que medimos por meio da avaliação do próprio curso e do feedback externo dos professores. Seguramente há outras formas de se avaliar, inclusive junto aos pais e aos alunos Williams, mas, isso provavelmente ficará pra outro momento.

Por hora, o que posso dizer é que o curso funcionou de maneira simples, levamos estudos que envolvam cérebro de indivíduos Williams relacionados às deficiências e às habilidades que possuem. Levamos, além disso, alguns dados da biologia da síndrome, da fisiologia, etc. Ou seja, fomos além das Neurociências, respeitando a característica multidisciplinar necessária para explicar uma síndrome e a própria característica interdisciplinar da educação. Junto aos professores, propusemos análise de situações que simulam o que passa dentro do cérebro de um Williams.

Atingimos dois pontos cruciais para o curso: 1. a sensibilização: estar na pele e reconhecer no aluno os problemas que esta síndrome traz consigo; 2. instrumentalização do professor que lhe possibilite autonomia na busca de mais informações. Acreditamos que o passo 1 seja essencial para a inclusão verdadeira e que o passo 2 é a base da educação, ensinar a pescar, conceder autonomia e base para seguir com as próprias pernas.

Como professora, o que principalmente me ocorreu é que por meio do conhecimento da neurobiologia da síndrome, o professor possa elaborar melhor suas atividades de ensino e de avaliação, reconhecendo limites e competências, reforçando habilidades. Para além disso, em se compreendendo melhor a síndrome, o professor pode adotar uma estratégia de trabalho que otimize sua rotina, reduzindo sua carga sabidamente pesada.





sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Da neuraeducação 2: a aplicação

Agarra que o post é longo!

Quando estava no doutorado na Psiquiatria consegui compreender após algum tempo a diferença entre pesquisa e aplicação. Embora isso já estivesse razoavelmente claro no mestrado, questões mais finas de compreensão só surgiram no doutorado.

Exemplificando, na neuroimagem se consegue identificar algumas alterações cerebrais em doenças neurológicas ou mentais, fico com uma doença neurológica porque acho um pouco (muito pouco) mais fácil. Vamos lá, Alzheimer, uma das mais estudadas. Um grupo de pacientes é submetido ao diagnóstico clínico que essencialmente depende do corpo de conhecimento do médico, de testes de investigação neurológica dos quais ele possa dispor mais testes neuropsicológicos, etc. 
Quanto mais avançado for o estágio da doença, mais fácil de identificar, certo? 

Daí nos perguntamos, existem alterações cerebrais? Quais seriam? Qual a extensão delas? Será que podem ser usadas para diagnosticar, para se assegurar, por exemplo, de ser uma doença e não outra? Tipo quando a gente faz exame de sangue e dá positivo ou negativo (fácil né? e não é). Fico aqui apenas com as alterações físicas, que também facilitam o exemplo. 

Pois bem, submete-se um grupo de pacientes a exames de ressonância magnética e se procura possíveis alterações que denotem o Alzheimer, no chamado estudo de grupo. Estamos na pesquisa, lembre-se. Para se ter poder estatístico, usa-se um número razoavelmente grande de pessoas, quanto mais, em princípio melhor. 

Suponha que de fato se achem alterações nestes cérebros.

Enfim, aquilo o que foi encontrado para um grupo, um possível marcador para o Alzheimer, ou para aquela fase da doença, servirá para a identificação individual? Afinal é o que queremos. Queremos entrar no consultório e ter um exame que diz sim ou não e esperamos ouvir não. Tem ou não tem? Não tem um exame de ressonância que diz se ele tem Alzheimer, tipo a ressonância do Dr.House? A resposta para esta pergunta é super delicada! E tenho certeza que só vou falar de alguns pontos. 

Talvez venhamos a ter, e na maioria dos casos, diria que não. Estamos no universo do talvez. Talvez um dia, quem sabe; talvez associado aos achados de inúmeros outros estudos; talvez somente em conjunto com todos os outros testes disponíveis e exames para configurar o quadro. Afinal é cérebro! Ninguém disse que é fácil. Aliás, acredito que quase nada na Biologia e Medicina seja. 

Há que se considerar que quando vamos para o universo do individual, muita coisa pode acontecer: de perto nem todos estão na curva normal e muita água pode rolar por debaixo da curva em sino; "somar" os achados do grupo era uma coisa, procurar o mesmo num único indivíduo, é muito mais difícil né?; pode ser que o cidadão tenha exatamente a mesma alteração vista no grupo e isso não quer dizer que seja Alzheimer, precisa ver todo o resto; pode ser que mesmo tendo a doença, com a mesma extensão de dano, não estará na mesma fase em que os demais estão. Enfim, é o caldeirão das incertezas. E mesmo assim, por mais difícil que pareça, a ciência e o diagnóstico avançam.

Ufa, agora ponho o pé na Neuroeducação. Educação, já complicou.

Pois bem, suponha que um estudo com ratos apontou que ambiente enriquecido ajuda na aprendizagem e na memorização. Ratinhos felizes correndo nas suas rodinhas, com um monte de coisas pra fazer, ratinhos que brincam aprendem melhor. Suponha que vários estudos tenham mostrado isso. Eba! Bora enriquecer o jardim da infância!!! Me parece que embora haja grande semelhança genética entre humanos e ratos, há uma razoável diferença no enriquecimento de gaiolas. E daí decorrem uma série de questões. Assumir o estudo como verdade irrefutável não me parece nada científico e mesmo assim algumas escolas poderiam fazê-lo sem peso na consciência, simplesmente porque tem rótulo de científico. Melhor se apoiar no conhecimento prático de que crianças que brincam felizes parecem aprender melhor, oras, afinal somos educadores e contamos com a prática.

Suponha que um estudo apontou que se faz uma prova/tarefa melhor após uma longa noite bem dormida. Primeiro o que é exatamente longa noite bem dormida? Foi dormida dentro de um laboratório? Então não é o mesmo que dormir em casa. Alunos não passam a noite em laboratórios e não sabemos ao certo como foi a sua noite bem dormida quando assim assumimos. A tarefa controlada foi realizada por um experimentador, dentro de um laboratório? Um aluno faz uma tarefa dentro de um contexto, normalmente com outros alunos, antes ou após a aula de educação física, dentro de uma situação e de um encadeamento de situações que não reproduzem exatamente o ambiente e o contexto de laboratório. 

E por aí vai...

Longo post, o mais longo até aqui, simplesmente para dizer que o buraco é mais embaixo, BEM mais embaixo. Para dizer que para modistas de plantão é super fácil levar conhecimento do mundo científico para o contexto educacional. Para as pessoas "fora de moda" ou que o fazem de maneira responsável, não! Talvez essas últimas fiquem cheias de dedos, é normal. Talvez, de fato, o que queiram é levar mais conhecimento sobre as neurociências em si, abrindo portas para que todos pensem um pouco mais sobre o cérebro, para que se apropriem do conhecimento que ele pode trazer, mas, que cautelosas, dificilmente darão receitas de como "neuroeducar", pois elas não existem. Senão vai virando "NeuraEducation", a gente dá uma inglesada na coisa, daí ela fica mais atrativa e é só vender. É assim, pega-se um estudo aqui e outro acolá de que é melhor ensinar 10 línguas para o bebê e pronto, coloca-se 10 línguas no currículo escolar... humpf.



Se a gente enfeitar e deixar bem difícil, quem sabe o povo acredita e compra!


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Da neuraeducação 1: moda

Neuroeducação tem sido ao meu ver uma roupagem nova em assunto velho, e muitas vezes, vejo sendo tratada como uma maneira de vender milagre, e eu não gosto.

O assunto é velho porque me parece que para além de educar um ser humano provido de sua cultura, inserido num contexto social, ele também sempre foi portador de um cérebro com o qual interagimos. Sempre esteve lá e educar sempre foi modificá-lo e sofrer a resposta dele. O que me parece faltar é conhecimento sobre este cérebro para intervir aproveitando as melhores janelas para educar. E talvez nem falte conhecimento de fato, mas, a divulgação e formação adequada usufruindo dele.

E muita gente já falou sobre isso de perspectivas metodológicas diferentes, Piaget foi um deles.

Me lembro de ser execrada ao relembrar as fases piagentianas como sendo interessantes pra pensar num estudo. Uma professora da Pedagogia olhou pra mim como se eu estivesse usando uma calça boca de sino na década de 80. Só vou lembrar que elas voltaram com tudo na década de 90. Por isso, odeio modismos, num dia é lindo, no outro é horrível e no seguinte é vintage/ über cool. 




Pois bem, fui rebatida com alguma corrente educacional da moda, dizendo algo do tipo: Piaget está ultrapassado, esquece! Daí entendi melhor os modismos educacionais. Não se trata de usar o que há de melhor de cada autor em prol da compreensão do fenômeno, se trata de colocar a roupa mais na moda, o que está in! E por isso não penso em neuroeducação como a última moda de Paris, penso nela como mais um fator de contribuição. 

As neurociências vão avançando, trazendo conhecimento científico novo, que TALVEZ possa contribuir em alguma medida para melhorar uma coisa mais complexa que é educar. Nem tudo pode e se houver algo que possa, que bom!

Não se trata de levar estudos científicos diretamente para a sala de aula. Isso é um erro grosseiro na minha opinião, não basta transportar a coisa, no vídeo que publiquei aqui do Sidarta Ribeiro é possível ver preocupação de fazer um estudo que reproduza de maneira natural o que se encontra em sala de aula. Ou seja, não dá simplesmente pra dizer: o cérebro funciona assim e isso vale no contexto da educação, é uma questão metodológica importante.

Tomados os devidos cuidados de transporte de conhecimento, de metodologia, deve ser super salutar otimizar estratégias de ensino com base em conhecimentos derivados das subáreas das neurociências. Assim como, é salutar usar o melhor das políticas públicas para gerir e direcionar recursos de maneira responsável.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A área visual para a forma do número

Será que se traduz assim?
Visual number-form area (VNFA).

Isso é novo pra mim! Já estava acostumada com a área visual da forma da palavra, visual word-form area (VWFA), mas, com a VNFA...

Vou contextualizar. Parece, parece cientificamente, que temos uma área cerebral "dedicada" ao reconhecimento visual de palavras/letras. E agora, pareeeece que temos uma área dedicada a símbolos que carregam a representação de quantidades. Mas, o estudo de Abboud, S. et al. vai além, mostrando a existência da tal área em pessoas cegas. 

Ou seja, como sempre, há um estudo científico com uma metodologia mirabolante (e muitas vezes linda) que indica tais achados. Ele foi recém publicado na Nature Communications, envolvendo pesquisadores de Israel e da França (entre eles o Dehaene).




O "modelo" envolveu pessoas com visão normal e cegas, a fim de se mostrar a natureza multisensorial dos achados e não exatamente/exclusivamente visual como os nomes da área sugere. De modo meio intuitivo isso pode ser compreendido do seguinte modo: o cego não vê, mas, entende a representação simbólica de quantidade, ora, isso sabemos! 

Mas, a questão é relacionar alguma área cerebral ao fenômeno (ou ainda alguma rede funcional, isso é assunto pra mais de metro). Desse modo, o artigo informa, "nem a modalidade de input (entrada) sensorial nem a experiência visual, nem a estimulação sensorial física ela mesma, possuiriam um papel crítico na especialização dessa área". 

E por aí segue. O estudo basicamente se utilizou de uma análise de imagens de ressonância funcional. De minha parte, sigo lendo o artigo com mais detalhe porque tem muito mais caroço no angu do que esta breve introdução que fiz.

De qualquer modo, fica aqui uma constante reflexão que tem sido revisitada nos artigos sobre leitura. Existe de fato uma "área cerebral" dedicada à leitura? 

Com tão pouco tempo de evolução em termos de espécie, é difícil defender que tenhamos uma área exclusiva da leitura em nossos cérebros. Aliás, isso reforçaria, de um certo modo, a visão de que cérebros possuem caixinhas para cada função cognitiva complexa. O que já sabemos, não rola! Seriam necessários muitos mais cérebros pra carregar todas as caixinhas necessárias... A visão mais atual sobre o assunto é que áreas que compartilham funções, se mostrando especiais para algumas delas. Como a leitura é uma atividade intrinsecamente humana, podemos pensar na possibilidade de que algumas áreas sejam mais sobrecarregadas e relacionadas a tal atividade, não exclusivas.

Já a contagem, a compreensão de grandezas, etc... não é exclusividade humana. Portanto, eu apostaria na VNFA como sendo mais legal e promissora como área que a VWFA. Fato é que só começamos a estudar os mecanismos cerebrais relacionados à compreensão matemática bem mais recentemente que a leitura, e, portanto, felizmente, ainda tem osso pra ser roído por toda a comunidade científica!

Vou criar um post sobre caixinhas cerebrais, fica pra depois.

sábado, 10 de outubro de 2015

Oliver Sacks: uma janela agradável para o cérebro

Olhar para o cérebro por meio de um livro do querido Oliver Sacks é ver além de células, giros, hemisférios e pacientes neurológicos, é ver a beleza de um maquinário desconhecido, de pessoas em suas vidas interessantes apesar das (quase sempre) incômodas doenças. Recomendo a leitura como diversão e como introdução a questões cognitivas interessantíssimas. Fui à livraria Martins Fontes (aqui em SP) e tive o prazer de ver que a Companhia das Letras relançou vários livros.



Infelizmente, Sacks morreu há pouco de um câncer que já dava sinais anteriores e que ele havia conseguido combater inicialmente, até se encontrarem novamente na curva da vida. Não reclamou publicamente pelo que acompanhei, ao contrário, mostrou a serenidade de seus inacreditáveis 82 anos, a sabedoria que sempre admirei em quem gosta da vida. Ela é finita, posto isso, viva-a bem! Lembrou meu pai. 

Enfim, não posso falar muito do Sacks porque sou super fã e tendenciosa sempre, afinal ele tinha aquele sorriso cativante. Agora estou lendo seu livro autobiográfico "Oliver Sacks: sempre em movimento", apesar de que "Tio Tungstênio" (que não li), "Com uma perna só" e "Diário de Oaxaca" são assim também, mas, este último tem uma levada diferente. A escrita é atemporal, não linear e dá uns belos cruzados de direita, estou amando. Não gosto de todos os livros não! Tenho especial antipatia por "Enxaqueca" ao qual chamo carinhosamente de livro enxaqueca.

Mas, recomendo muitos outros. Tenho uma predileção por "Com uma perna só", já presenteei futuros alunos médicos com ele. Pra mim é emblemático, o livro do médico no papel do paciente, uma boa reflexão, além é claro, de oferecer mais um caso neurológico bizarro. Adoro o "Homem que confundiu a mulher com um chapéu", só o título já diz a que vem, o "Vendo vozes" e "Um antropólogo em Marte".

Sacks não era assim um cara acadêmico (agora estou confirmando com o livro). Fico com a impressão de que de fato ele tinha problemas com o meio acadêmico, apesar de ter Oxford no currículo. Mas, hoje, me pergunto, quem é que não tem? Afe, é cada novelinha mexicana...

Pelo que sei, foi bom médico e ótimo divulgador de ciência. Já valeu pela grande humanidade com que tratava seus pacientes, se isso não fizer um médico bom, apenas conhecimento não fará e tenho dito. Gosto de entrar em consultório no qual sou tratada com eficiência e conhecimento, mas, sobretudo pelo nome, com um sorriso e com direito a historinhas. Deixo, portanto, a antipatia eficiente, higiênica e precisa para os cirurgiões que eu terei o prazer de não conhecer quando estiver anestesiada, que esteja em boas mãos, essas não precisam contar historinhas.





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Sono, consolidação, privação e uma boa dose de consciência social



Prometi na outra postagem que colocaria aqui alguns vídeos do simpósio no Rio, todos eles estão disponíveis publicamente, ligados ao Instituto Ayrton Senna, pelo canal do youtube. E mais, em se tratando de simpósio internacional, os palestrantes proferiram suas palestras em inglês, portanto, temos a versão brasuca e em inglês de cada uma delas. 

Uma palestra triboa na minha opinião, é a do prof. Sidarta Ribeiro. De quem sempre ouço falar muito bem e apesar de não conhecê-lo pessoalmente, tenho boa impressão, tanto pelo lattes (o facebook fofoqueiro dos nerds) como pelo que vejo efetivamente.

A palestra aborda, na minha opinião, alguns pontos importantes:
1) Educação é um todo complexo e multifacetado como todos sabemos, questões biológicas relacionadas ao mínimo fisiológico, como comer e dormir adequadamente, deveriam ser uma garantia para todos e são essenciais para desenvolver aprendizagem. Portanto, pobreza não combina com aprendizagem.
2) Condições mínimas para ensinar devem ser garantidas, como um salário digno para o professor, é o óbvio, mas, precisa sempre ser dito;
3) Parece que um suporte de atividades físicas adequado é importante para a aprendizagem, pelo menos nos ratos;
4) O direcionamento e a motivação sobre o que será avaliado parece também ter um papel relevante sobre o que será fixado;
5) Sono melhora consolidação de memória e ajuda na aprendizagem, neste contexto um simples cochilo parece apontar para um papel relevante na consoliação, mas, que ainda requer estudo.


Os pontos 4 e 5 parecem meio conhecidos, e muitas vezes nos faz pensar: qual a novidade nisso? Afinal, sabemos tacitamente que uma noite bem dormida é essencial pra uma prova pela manhã, por exemplo. A diferença está em conduzir um estudo científico e reprodutível, de acordo com o método que a ciência se propõe a seguir (mesmo que muitas vezes ele seja passível de crítica). Do contrário, do ponto de vista da ciência, não passa de falácia.

Mesmo que contemos com uma multiplicidade de fatores, de covariáveis, que talvez nunca venhamos a controlar, quando nos propomos a levar o conhecimento da ciência para o corpo da educação, temos de abraçar o desafio de propor desenhos de estudo adequados, factíveis e reprodutíveis. Me parece que o Sidarta tem visão suficientemente profunda para entender que apesar das limitações de suas inferências, as quais ele sempre deixa claras, há algo ali que parece bem promissor. 

Me lembro de uma coordenadora pedagógica com quem trabalhei que dizia: "pra crianças, um lugarzinho pra dormir é essencial", pobres daquelas pra quem sempre dei aula às 7h da manhã e que como adolescentes, já não tinham mais cochilinho nenhum na maratona integral que enfrentavam; pobre de mim que nem um cochilinho pós almoço de 30 minutos tinha pra consolidar meu aprendizado naqueles dias produtivos de aula!


CpE - I Simpósio internacional sobre Ciência para Educação

Fiquei feliz de conhecer a Ciência para a Educação (CpE) neste ano num simpósio internacional realizado na cidade do Rio de Janeiro. Falando de boas iniciativas em se ir para o âmbito da Neuroeducação e pensar em pontes entre as diversas áreas do conhecimento...

Minha desculpa para ir ao simpósio foi triplamente qualificada: ir ao simpósio propriamente dito; levar um pôster para o IBRO, o congresso maior que se seguiria dias depois; conhecer a vizinha cidade maravilhosa, e chegar de avião no melhor estilo bossa nova no Santos Dumont.   

Depois vou tomar a liberdade de repostar o link de algumas palestras filmadas no congresso, material interessante a ser propagado. Me parece que montar o simpósio não deva ter sido nada fácil, nunca é. Levantar patrocínio, espaço (no Rio que deve custar o olho da cara), trazer bons palestrantes, e continuar trabalhando nos seus projetos e laboratórios, é trabalho de equipe e merece os parabéns a todos os envolvidos, mas, claro, me marcou ver o prof. Roberto Lent correndo pra cima e pra baixo e sorrindo!

De qualquer forma, apesar de estar inserida na área de pesquisa, vejo o quanto muitas vezes desconhecemos os projetos. Assim, divulgo aqui o link do site da CpE.

O que me marcou no simpósio? Algumas palestras que me interessaram muito como neurocientista, outras nem tanto, normal, é assim em qualquer encontro. 
Mas, para além disso, a fala de uma professora da platéia me chamou muito a atenção. Ela se apresentou como professora de história, com uma super formação, inclusive um pós-doc, e ali desabafou o quanto não conseguia compreender lhufas de muito que havia sido dito. No fundo, o que ela queria dizer me pareceu (e isso é bem subjetivo): 1) não sou uma tapada, nem pensem em me tratar assim (e não estou fazendo uma crítica, não achei arrogante); 2) há algo de errado na maneira como este conhecimento está sendo levado a seu público OU o público-alvo não é de professores e sim de neurocientistas.

Acolhi a crítica, porque de certa forma eu não a compartilho, uma vez que apesar de ser professora, estou mergulhada há anos nas Neurociências. Mas, entendi. Sim, ela tinha razão, algo não dialogava com o público na sua totalidade, talvez dialogasse com aquelas pessoas na mesma situação que a minha, mas, não com as demais. Também, devo dizer, senti falta de diálogo e de uma linha lógica entre as palestras, achei outras soltas, sem dizer ao que vieram. Mas, lembrei que congresso é assim mesmo... E saí refletindo que criticar é sempre mais fácil que fazer, isso sim! Tipo festa de casamento, um dinheirão e gasto de tempo, todo mundo come e ainda reclama. Mas, que as críticas sirvam para melhorar este diálogo, para atender ao público a que se propõe, que sejam além de neurocientistas, professores de sala de aula, de carne e osso e pós de giz.






Sobre o NeuraEducation

Este blog está sendo retomado, pois, felizmente, o domínio continuava disponível. Parece que ninguém gostou, pra minha felicidade ou azar. 




Há mais de um ano atrás comecei a escrever no NeuraEducation como uma forma de espantar os fantasmas da fase sombria de finalização do meu doutorado. Era uma forma de escrever algo que não fosse quadrado nem acadêmico, mas, ao que me parece, me faltava humor e sobretudo, tempo. Daí, resolvi removê-lo.
Retomo agora, um pouco mais madura e mais tranquila. Possivelmente, eu recarregue algumas das antigas postagens, já escritas e guardadas na caixinha da memória embolorada do computador.

Eu escolhi este nome por vários motivos, primeiro pela óbvia falta de disponibilidade do nome neuroeducação, neuroeducation, etc. Mas, ao tentar estes nomes, me deparei com minha incrível falta de criatividade e então me lembrei que chamo carinhosamente, o modismo da Neuroeducação de Neuraeducação. Depois, ter um nome de blog com acento e cedilha é um mico em português, mas, mais legal é ter nome meio cool em inglês, tipo comprar lanche McChicken na Praça da República, soa chique, soa fino, só que não.

Temo o rótulo Neuroeducação, porque apesar de ser algo super interessante, muitas vezes ele me soa a charlatanismo e muitas vezes o vejo sendo tratado de maneira irresponsável e superficial. Por outro lado, há iniciativas mais profundas de discutir o assunto, e tomara que eu seja capaz de fazer parte deste lado da discussão.