sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Da neuraeducação 2: a aplicação

Agarra que o post é longo!

Quando estava no doutorado na Psiquiatria consegui compreender após algum tempo a diferença entre pesquisa e aplicação. Embora isso já estivesse razoavelmente claro no mestrado, questões mais finas de compreensão só surgiram no doutorado.

Exemplificando, na neuroimagem se consegue identificar algumas alterações cerebrais em doenças neurológicas ou mentais, fico com uma doença neurológica porque acho um pouco (muito pouco) mais fácil. Vamos lá, Alzheimer, uma das mais estudadas. Um grupo de pacientes é submetido ao diagnóstico clínico que essencialmente depende do corpo de conhecimento do médico, de testes de investigação neurológica dos quais ele possa dispor mais testes neuropsicológicos, etc. 
Quanto mais avançado for o estágio da doença, mais fácil de identificar, certo? 

Daí nos perguntamos, existem alterações cerebrais? Quais seriam? Qual a extensão delas? Será que podem ser usadas para diagnosticar, para se assegurar, por exemplo, de ser uma doença e não outra? Tipo quando a gente faz exame de sangue e dá positivo ou negativo (fácil né? e não é). Fico aqui apenas com as alterações físicas, que também facilitam o exemplo. 

Pois bem, submete-se um grupo de pacientes a exames de ressonância magnética e se procura possíveis alterações que denotem o Alzheimer, no chamado estudo de grupo. Estamos na pesquisa, lembre-se. Para se ter poder estatístico, usa-se um número razoavelmente grande de pessoas, quanto mais, em princípio melhor. 

Suponha que de fato se achem alterações nestes cérebros.

Enfim, aquilo o que foi encontrado para um grupo, um possível marcador para o Alzheimer, ou para aquela fase da doença, servirá para a identificação individual? Afinal é o que queremos. Queremos entrar no consultório e ter um exame que diz sim ou não e esperamos ouvir não. Tem ou não tem? Não tem um exame de ressonância que diz se ele tem Alzheimer, tipo a ressonância do Dr.House? A resposta para esta pergunta é super delicada! E tenho certeza que só vou falar de alguns pontos. 

Talvez venhamos a ter, e na maioria dos casos, diria que não. Estamos no universo do talvez. Talvez um dia, quem sabe; talvez associado aos achados de inúmeros outros estudos; talvez somente em conjunto com todos os outros testes disponíveis e exames para configurar o quadro. Afinal é cérebro! Ninguém disse que é fácil. Aliás, acredito que quase nada na Biologia e Medicina seja. 

Há que se considerar que quando vamos para o universo do individual, muita coisa pode acontecer: de perto nem todos estão na curva normal e muita água pode rolar por debaixo da curva em sino; "somar" os achados do grupo era uma coisa, procurar o mesmo num único indivíduo, é muito mais difícil né?; pode ser que o cidadão tenha exatamente a mesma alteração vista no grupo e isso não quer dizer que seja Alzheimer, precisa ver todo o resto; pode ser que mesmo tendo a doença, com a mesma extensão de dano, não estará na mesma fase em que os demais estão. Enfim, é o caldeirão das incertezas. E mesmo assim, por mais difícil que pareça, a ciência e o diagnóstico avançam.

Ufa, agora ponho o pé na Neuroeducação. Educação, já complicou.

Pois bem, suponha que um estudo com ratos apontou que ambiente enriquecido ajuda na aprendizagem e na memorização. Ratinhos felizes correndo nas suas rodinhas, com um monte de coisas pra fazer, ratinhos que brincam aprendem melhor. Suponha que vários estudos tenham mostrado isso. Eba! Bora enriquecer o jardim da infância!!! Me parece que embora haja grande semelhança genética entre humanos e ratos, há uma razoável diferença no enriquecimento de gaiolas. E daí decorrem uma série de questões. Assumir o estudo como verdade irrefutável não me parece nada científico e mesmo assim algumas escolas poderiam fazê-lo sem peso na consciência, simplesmente porque tem rótulo de científico. Melhor se apoiar no conhecimento prático de que crianças que brincam felizes parecem aprender melhor, oras, afinal somos educadores e contamos com a prática.

Suponha que um estudo apontou que se faz uma prova/tarefa melhor após uma longa noite bem dormida. Primeiro o que é exatamente longa noite bem dormida? Foi dormida dentro de um laboratório? Então não é o mesmo que dormir em casa. Alunos não passam a noite em laboratórios e não sabemos ao certo como foi a sua noite bem dormida quando assim assumimos. A tarefa controlada foi realizada por um experimentador, dentro de um laboratório? Um aluno faz uma tarefa dentro de um contexto, normalmente com outros alunos, antes ou após a aula de educação física, dentro de uma situação e de um encadeamento de situações que não reproduzem exatamente o ambiente e o contexto de laboratório. 

E por aí vai...

Longo post, o mais longo até aqui, simplesmente para dizer que o buraco é mais embaixo, BEM mais embaixo. Para dizer que para modistas de plantão é super fácil levar conhecimento do mundo científico para o contexto educacional. Para as pessoas "fora de moda" ou que o fazem de maneira responsável, não! Talvez essas últimas fiquem cheias de dedos, é normal. Talvez, de fato, o que queiram é levar mais conhecimento sobre as neurociências em si, abrindo portas para que todos pensem um pouco mais sobre o cérebro, para que se apropriem do conhecimento que ele pode trazer, mas, que cautelosas, dificilmente darão receitas de como "neuroeducar", pois elas não existem. Senão vai virando "NeuraEducation", a gente dá uma inglesada na coisa, daí ela fica mais atrativa e é só vender. É assim, pega-se um estudo aqui e outro acolá de que é melhor ensinar 10 línguas para o bebê e pronto, coloca-se 10 línguas no currículo escolar... humpf.



Se a gente enfeitar e deixar bem difícil, quem sabe o povo acredita e compra!


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